TRABALHO
E LEITURA DE MULHER
Em meados do século XIX, algumas
medidas foram tomadas em relação a educação nas províncias brasileiras, mestres
e mestras mal formados, iam disseminando sua má formação perante os
brasileiros, que desde a colonização portuguesa, sofreram com a falta de
instrução adequada, possuir instrução, era possuir armas privilegiadas de
libertação, em especial para as mulheres, essas idéias ganham força e difusão
com a chegada dos imigrantes, em fins do século XIX que tentaram recriar o seu
mundo em terras desconhecidas e tão pouco preocupada em oferecer o poder as
massas, através do saber, anarquistas e socialistas propuseram idéias novas de
instrução que incomodavam.
Com propostas opostas de libertação
através da instrução, escolas normais começam a surgir com o intuito de
conceber profissionais docentes, continuavam com a diferenciação dos sexos,
senhoras honestas e prudentes ensinam meninas, homens ensinam meninos, tratam
de saberes diferentes, recebem salários diferentes, tem objetivos de formação
diferentes, avaliam de formas distintas e em turnos e escolas diferentes, o que
se vai observando é o oposto do que se esperava um caminho trilhado mais por
mulheres do que por homens. O magistério ia se transformando em profissão de
mulher em quase todo território brasileiro e mundial, a industrialização e
urbanização estavam atraindo os homens, ampliando ainda mais suas oportunidades
de trabalho, para Guacira Lopes Louro[1] essa inclusão da mulher no
meio docente se deu através de um processo cheio de críticas e resistências
perante a sociedade, muitos achavam uma insanidade entregar as mulheres,
usualmente despreparadas, portadoras de cérebros pouco desenvolvidas, pelo seu
desuso e educação de tantas crianças, no entanto, outros conceitos iam
surgindo, antagônicos a estes olhares, relacionavam a maternidade e o
magistério como destinos certos para as mulheres. A esses discursos vão se
juntar os da nascente psicologia, acentuando que a privacidade familiar e o
amor materno, são indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das
crianças.
As escolas de formação docente passam
a constituir os currículos, normas e práticas das moças, que agora enchiam as
escolas.
Em alguns momentos, chegou-se mesmo a
proibir que mulheres casadas, exercessem o magistério, referindo-se
explicitamente ao fato de que não seria dignificante, para elas, nesse contexto
Nísia Floresta[3]
foi duramente criticada por seus contemporâneos, por suas ousadias, tanto na
criação de uma escola para moças, como em suas obras e escritos feministas
publicados em jornais, como já enfatizamos aqui, ela perturbava a sociedade,
que a acusava de relacionamentos amorosos com suas alunas e com amantes
masculinos.
O processo de feminização do
magistério também pode ser compreendido como resultante de uma maior intervenção
e controle do Estado, é importante evitar uma interpretação de causalidade
direta e única que leve a pensar que a perda dessa autonomia ocorre
simplesmente porque as mulheres assumem o magistério, talvez seja mais adequado
entender que para tanto se articularam múltiplos fatores.
Pode-se perceber claramente uma
contínua preocupação por parte dessa sociedade com a inserção da mulher em
atividades que ultrapassassem os afazeres domésticos, a mulher precisava ser
protegida e controlada, o trabalho poderia ameaçá-las como mulheres, essas
atividades profissionais representavam um risco para suas funções sociais.
Durante o século XIX o trabalho da
mulher, especificamente da mulher pobre de diversas regiões do país, torna-se
inevitável, essas mulheres mães e pobres para Claudio Fonseca[4] viviam entre a cruz e a
espada, além de todo trabalho, tinham que defender sua reputação contra a
poluição moral, uma vez que o assedio sexual era constante, tanto em trabalhos
domésticos, artesanais, nos campos ou nas insipientes fabricas.
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O século XIX não via com bons olhos
mulheres envolvidas em ações políticas, revoltas e guerras, mas nem por isso
elas não o faziam.
Se na primeira metade do século XIX a
mulher quase não saia de casa, a não ser para a missa, gradativamente ganhava
espaço, na segunda metade deste século, Maria Arisnete Câmara de Moraes[5] analisou algumas
modificações no comportamento dessas mulheres neste período e diz que a
sociedade ia adquirindo novos hábitos, surgiram às leitoras brasileiras,
valorizava-se a leitura como símbolo de instrução e como forma de socialização,
em um contexto onde o Brasil vivia grandes transformações políticas e sócias
representadas pelas campanhas abolicionistas e republicanas que culminariam com
a abolição da escravidão e a proclamação da República, era um período de
expansão da imprensa com a proliferação de jornais por toda parte, o século XIX
presencia uma verdadeira efervescência jornalística, a partir de 1840 via-se
uma significativa presença de jornais em diversas cidades e até vilas, e um
público a conquistar, a mulher, também acompanhava essas mudanças. Para a
autora, o folhetim tinha um lugar privilegiado, o rodapé do jornal, geralmente
de primeira página, destinado ao entreterimento, com a finalidade de atrair
leitoras e leitores.
Observa-se uma forte influência desse tipo
de texto na formação dessa sociedade, que fique claro, uma pequena parte dessa
imensa sociedade feminina que entrava no mundo desconhecido das letras, em
livros e jornais.
Esses romances fatiados, que os
jornais publicavam diariamente, garantia o sucesso dos jornais e dos
escritores, como José de Alencar, Machado de Assis, entre tantos, que entravam
nos mais íntimos espaços domésticos e reuniam mulheres com leituras
silenciosas, e homens como intermediários ativos, utilizando sua voz e domínio
para transmitirem aquelas maravilhosas histórias.
Maravilhosas histórias que eram lidas
nos círculos femininos da sociedade fina e no seio da mocidade começava a se
consolidar um novo espaço de leitura, Marta Maria Araújo[6] ressalta que os jornais
femininos tinham a preocupação de definir sua formula editorial voltada para
ordem intelectual por meio do incentivo para que as mulheres divulgassem suas
produções literárias, por exemplo, no Rio de Janeiro surge o Jornal das
Senhoras, redigido por uma mulher, que incentivava muitas delas a entrar nesse
mundo de descobertas. Muitos jornais femininos surgiram na segunda metade do
século XIX e em diversas cidades brasileiras, o Quinze de Novembro do Sexo
Feminino, O Sexo Feminino, traziam à tona temas como emancipação da mulher, a
mulher no magistério, a instrução do povo, educação das meninas, gritavam
através das letras: Mulheres participem do mundo das letras.
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[1]
LOURO, Guacira Lopes. Magistério de 1º grau: um trabalho de mulher. Educação e
realidade, Porto Alegre: UFRGS, 1993.
[2]
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva
pós-estruturalista. Ed. Vozes, 6º ed.
[3]
Id. Ibid. p. 109
[4]
FONSECA, Claudio. Ser mulher, mãe e pobre. Em: História das mulheres no Brasil.
São Paulo. Contexto, 2006.
[5]
MORAES, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de Mulheres no Século XIX, Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
[6]
Maneiras de ler no Brasil do século XIX. In: Araújo, Marta Maria, (org.).
História da educação. 1. Ed. Natal: EDUFRN, 1997. (coleção EPEN, v. I).
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