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terça-feira, 4 de junho de 2013

TRABALHO E LEITURA DE MULHER


          Em meados do século XIX, algumas medidas foram tomadas em relação a educação nas províncias brasileiras, mestres e mestras mal formados, iam disseminando sua má formação perante os brasileiros, que desde a colonização portuguesa, sofreram com a falta de instrução adequada, possuir instrução, era possuir armas privilegiadas de libertação, em especial para as mulheres, essas idéias ganham força e difusão com a chegada dos imigrantes, em fins do século XIX que tentaram recriar o seu mundo em terras desconhecidas e tão pouco preocupada em oferecer o poder as massas, através do saber, anarquistas e socialistas propuseram idéias novas de instrução que incomodavam.
          Com propostas opostas de libertação através da instrução, escolas normais começam a surgir com o intuito de conceber profissionais docentes, continuavam com a diferenciação dos sexos, senhoras honestas e prudentes ensinam meninas, homens ensinam meninos, tratam de saberes diferentes, recebem salários diferentes, tem objetivos de formação diferentes, avaliam de formas distintas e em turnos e escolas diferentes, o que se vai observando é o oposto do que se esperava um caminho trilhado mais por mulheres do que por homens. O magistério ia se transformando em profissão de mulher em quase todo território brasileiro e mundial, a industrialização e urbanização estavam atraindo os homens, ampliando ainda mais suas oportunidades de trabalho, para Guacira Lopes Louro[1] essa inclusão da mulher no meio docente se deu através de um processo cheio de críticas e resistências perante a sociedade, muitos achavam uma insanidade entregar as mulheres, usualmente despreparadas, portadoras de cérebros pouco desenvolvidas, pelo seu desuso e educação de tantas crianças, no entanto, outros conceitos iam surgindo, antagônicos a estes olhares, relacionavam a maternidade e o magistério como destinos certos para as mulheres. A esses discursos vão se juntar os da nascente psicologia, acentuando que a privacidade familiar e o amor materno, são indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das crianças.
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          O casamento e a maternidade, tarefas femininas fundamentais, constituíam a verdadeira carreira das mulheres, qualquer atividade profissional seria considerada como um desvio dessas funções sociais, a menos que possa ser representada de forma a se ajustar a elas, em seu processo de feminização, o magistério precisou tomar de empréstimo atributos que eram tradicionalmente associados às mulheres, como amor, a sensibilidade, cuidado. A representação do magistério, então é transformada[2].
          As escolas de formação docente passam a constituir os currículos, normas e práticas das moças, que agora enchiam as escolas.
          Em alguns momentos, chegou-se mesmo a proibir que mulheres casadas, exercessem o magistério, referindo-se explicitamente ao fato de que não seria dignificante, para elas, nesse contexto Nísia Floresta[3] foi duramente criticada por seus contemporâneos, por suas ousadias, tanto na criação de uma escola para moças, como em suas obras e escritos feministas publicados em jornais, como já enfatizamos aqui, ela perturbava a sociedade, que a acusava de relacionamentos amorosos com suas alunas e com amantes masculinos.
                                                                                   

                O processo de feminização do magistério também pode ser compreendido como resultante de uma maior intervenção e controle do Estado, é importante evitar uma interpretação de causalidade direta e única que leve a pensar que a perda dessa autonomia ocorre simplesmente porque as mulheres assumem o magistério, talvez seja mais adequado entender que para tanto se articularam múltiplos fatores.
               Pode-se perceber claramente uma contínua preocupação por parte dessa sociedade com a inserção da mulher em atividades que ultrapassassem os afazeres domésticos, a mulher precisava ser protegida e controlada, o trabalho poderia ameaçá-las como mulheres, essas atividades profissionais representavam um risco para suas funções sociais.
          Durante o século XIX o trabalho da mulher, especificamente da mulher pobre de diversas regiões do país, torna-se inevitável, essas mulheres mães e pobres para Claudio Fonseca[4] viviam entre a cruz e a espada, além de todo trabalho, tinham que defender sua reputação contra a poluição moral, uma vez que o assedio sexual era constante, tanto em trabalhos domésticos, artesanais, nos campos ou nas insipientes fabricas.
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          Os diferentes papeis vão sendo distribuídos para essa diversidade feminina que vai emergindo no Brasil oitocentista, timidamente elas vão aparecendo e fazendo-se ver e ouvir como professoras, escritoras, poetisas, médicas ou simplesmente mães, domésticas, analfabetas, escravas, alforriadas, etc.
          O século XIX não via com bons olhos mulheres envolvidas em ações políticas, revoltas e guerras, mas nem por isso elas não o faziam.
          Se na primeira metade do século XIX a mulher quase não saia de casa, a não ser para a missa, gradativamente ganhava espaço, na segunda metade deste século, Maria Arisnete Câmara de Moraes[5] analisou algumas modificações no comportamento dessas mulheres neste período e diz que a sociedade ia adquirindo novos hábitos, surgiram às leitoras brasileiras, valorizava-se a leitura como símbolo de instrução e como forma de socialização, em um contexto onde o Brasil vivia grandes transformações políticas e sócias representadas pelas campanhas abolicionistas e republicanas que culminariam com a abolição da escravidão e a proclamação da República, era um período de expansão da imprensa com a proliferação de jornais por toda parte, o século XIX presencia uma verdadeira efervescência jornalística, a partir de 1840 via-se uma significativa presença de jornais em diversas cidades e até vilas, e um público a conquistar, a mulher, também acompanhava essas mudanças. Para a autora, o folhetim tinha um lugar privilegiado, o rodapé do jornal, geralmente de primeira página, destinado ao entreterimento, com a finalidade de atrair leitoras e leitores.
          Observa-se uma forte influência desse tipo de texto na formação dessa sociedade, que fique claro, uma pequena parte dessa imensa sociedade feminina que entrava no mundo desconhecido das letras, em livros e jornais.
          Esses romances fatiados, que os jornais publicavam diariamente, garantia o sucesso dos jornais e dos escritores, como José de Alencar, Machado de Assis, entre tantos, que entravam nos mais íntimos espaços domésticos e reuniam mulheres com leituras silenciosas, e homens como intermediários ativos, utilizando sua voz e domínio para transmitirem aquelas maravilhosas histórias.
          Maravilhosas histórias que eram lidas nos círculos femininos da sociedade fina e no seio da mocidade começava a se consolidar um novo espaço de leitura, Marta Maria Araújo[6] ressalta que os jornais femininos tinham a preocupação de definir sua formula editorial voltada para ordem intelectual por meio do incentivo para que as mulheres divulgassem suas produções literárias, por exemplo, no Rio de Janeiro surge o Jornal das Senhoras, redigido por uma mulher, que incentivava muitas delas a entrar nesse mundo de descobertas. Muitos jornais femininos surgiram na segunda metade do século XIX e em diversas cidades brasileiras, o Quinze de Novembro do Sexo Feminino, O Sexo Feminino, traziam à tona temas como emancipação da mulher, a mulher no magistério, a instrução do povo, educação das meninas, gritavam através das letras: Mulheres participem do mundo das letras.
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          Mulheres belas, claro que brancas, aristocráticas, morenas, amáveis, franzinas, louras liam os textos que pareciam feitos para elas, de fato eram, pois as mulheres negras e pobres não faziam parte desse universo a conquistar. Os jornais e livros necessitavam de adjetivos agradáveis para atrair suas interlocutoras e dá colorido às suas páginas. Mas, mesmo não sendo alvo desse mercado que surgia, não queria dizer necessariamente que todas as negras e pobres estavam fora desse mundo das letras, sim elas estavam lá, poucas, mas estavam, conclamando por melhores dias, conhecendo, se conhecendo e transformando um mundo que parecia imutável para suas condições tão duras.



[1] LOURO, Guacira Lopes. Magistério de 1º grau: um trabalho de mulher. Educação e realidade, Porto Alegre: UFRGS, 1993.
[2] LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Ed. Vozes, 6º ed.
[3] Id. Ibid. p. 109
[4] FONSECA, Claudio. Ser mulher, mãe e pobre. Em: História das mulheres no Brasil. São Paulo. Contexto, 2006.
[5] MORAES, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de Mulheres no Século XIX, Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
[6] Maneiras de ler no Brasil do século XIX. In: Araújo, Marta Maria, (org.). História da educação. 1. Ed. Natal: EDUFRN, 1997. (coleção EPEN, v. I).

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